
Quem poderia descrever a vida de uma mulher guerreira se não fosse muito íntima e vivesse ao lado dela durante
todo seu cotidiano para falar toda verdade, seus sentimentos, seus sonhos, suas
decepções durante sua passagem terrena? Contou-me uma jovem que sentou-se ao meu lado enquanto aguardava ser atendida pelo dentista. Disse ela: Eu fui testemunha de todos
acontecimentos. Uma mulher que não tinha amigos ou amigas, não dava uma festa
em casa nem tão pouco comemorava aniversário de um filho. Com sua sinceridade,
jamais saiu de seus lábios um sorriso. Cantar vez por outra. Palavras de
carinho nem se fala, conversar olho no olho para dar algum conselho ou ensinar
um pouco da vida... nunca. Era uma pessoa trancada, frustrada, sem perspectiva
de vida porque começou sua vida muito cedo. Criada sem mãe onde ficou órfã aos
dois anos de idade e aos oito já estava passando roupa (paletó) onde o ferro era
mais pesado que sua força poderia obter, e por ser tão pequena tinha que
colocar um banco para alcançar a mesa de passar. Ah! quanto
sofrimento, talvez por ter passado tudo isso tornou-se uma mulher sem alegria,
sem amigos e de poucas conversas. Não saía de casa para lugar algum, não
frequentava festas, não participava de eventos quando havia na pequena cidade
do interior, enfim, uma mulher do outro mundo. Morreu nova, no dia 12 de junho de 2008 ás 10:30 da manhã de uma terça feira aos 46 anos de idade, dia triste.
Pois é mais vamos ao que interessa, após contar sua trajetória vamos ver o por
quê de todo esse trauma de sua vida. Ela casou e teve quatro
filhos. Casamento
conturbado onde não aguentando os maus tratos tentando viver, mesmo assim ele a
abandonou deixando-a na rua da amargura. Guerreira, de personalidade forte,
aprendeu a arte de cozinhar onde tornou-se a melhor cozinheira da cidade onde
morava, se houvesse alguém nesse tempo que pudesse investir estaria com seu
restaurante e muito bem de vida, contudo foi só um sonho. Professora concursada onde
usurparam o seu lugar no concurso que houve, mesmo assim conseguiu uma chance
para mostrar seus conhecimentos tornando uma das melhores alfabetizadoras
dentro da cidade. Vamos falar do seu segundo casamento. No meio de seus alunos
havia um moreninho e franzino rapaz, mais novo que ela 10 anos, agricultor,
carregava água em um jumento para sobreviver e vendia verduras dentro dos caçoais.
Como não tinha onde guardar a boia (resto que sobrava) resolveu deixar guardado
na casa dela porque ficava mais perto. A noite vinha todo tomado banho
arrumadinho para escola e aí apaixonou-se por aquela mulher alva, bonita,
cabelos longos, mas que tinha quatro filhos. Esse homem foi louco, no lugar
dele procurar uma jovem livre e desimpedida, foi se meter logo com uma mulher
descasada e ainda por cima com quatro filhos? Pois é, ninguém entende esse
mundo, paixão, amor, ilusão, sei lá o que só sei que falou casamento a ela e
pronto. Casaram-se e daí surgiram mais quatro filhos. Vamos ao cotidiano dela. Levantava fazia uma caminhada porque gostava de ver o romper
da aurora, contemplava o céu avermelhado com o surgimento do sol, ela falava
que a barra estava quebrando. Voltava para casa e aí tomava seu café e sem
descanso ia para seu primeiro bolo. A cozinha ficava cheia de
doces no chão, quanto mais passava o pano, mais pegajosa ficava. Às 9:00 começava a chegar alunos que ela ensinava
particular, depois que passava o dever para eles fazerem dava um pulinho em
casa para terminar comidas e às 10:00 terminava a aula, ela voltava para
fazer os suspiros, bolos etc. até às 11:00 porque era nesse horário que começava a novela no
rádio, ela não possuía um; daí ia até a casa de Dona Margarida mulher de Túlio pai de
seu Teófilo ouvir lá, isso ela ia escondido de seu marido que estava na roça e
a novela terminava de 11:00 dava tempo demais de ouvir, até que um dia ele
chegou mais cedo em casa e descobriu que ela estava na casa de dona Margarida e
quando chegou foi um quebra pau e nunca mais ela pode acompanhar a
novela que era seu único divertimento de apenas meia hora. Feijão tirado do
fogo a lenha, carne de charque dentro para dar um gostinho e farinha. Quando
tinha um dinheirinho a mais se comprava metade de arroz em seu Zé onde
Biu atendia com muito amor pesando e embrulhando em um papel chamado
embrulho, era uma colher de sopa para cada filho e ela ficava comendo puro
porque não dava, afinal mãe é mãe. Mal terminava o almoço já se ouvia seu nome,
eram as alunas para aprender cozinhar que também ela
ensinava, era uma hora de aula que mal terminava e os alunos da tarde já
estavam chegado para estudar mais uma vez os particulares. Começava as 14:00 e
terminava as 15:00, ela então se sentava no banco e mais uma vez começava a mexer aquela massa que não tinha fim . Não tinha batedeira era mesmo na mão, coitada os braços ficavam
cansadas e não tinha ninguém para dar uma massagem, nem se ouvia falar nisso, tinha que terminar aquela encomenda porque estava marcado para as 17:00 horas, Marta era quem fazia o acabamento auxiliando na parte da confeitaria, ao término
ela chamava a Maria para fazer a entrega e quando a mesma voltava com o dinheiro
seu pai do caminho a via e chamava.
__ quanto foi que ela pagou? Perguntava ele
__ 3.00 (três contos)
__ me dê que tenho de pagar a verdura que chega
daqui a pouco.
Ela pegava o dinheiro entregava a ele e ia para
casa onde sua mãe espera pelo pagamento. Daí ela lhe entrega 2,00 contos. Cadê
o restante? Perguntava sua mãe: como seu pai tinha visto ela levar o bolo trocava o dinheiro em seu Zé e dava a ela 2,00 caso contrário ele teria
ficado com tudo, respondia Marta, fez bem seu pai não tem jeito, não me deixa
ficar com um tostão. Seis horas já começava a chegar os alunos, aqueles que
eram pagos pelo estado, ela tinha uns trinta alunos, para não ficar super
carregada as filhas ajudavam a sua mãe tomando a lição para adiantar e terminar
as 21:00 horas. Acabou o dia, acabou nada ela ainda ia para a cozinha adiantar
as frituras do dia seguinte, trabalhando até quase 23;00 horas. Dia seguinte
tudo a mesma coisa, era de domingo a domingo e sem contar que nos sábados os
peões iam para a feira no Cabo em Recife e o movimento era muito grande ela
tinha que ajudar na verdura também. Agora eu pergunto: COMO ESSA MULHER PODERIA
FICAR DE CARA BONITA, SORRIR, CONVERSAR, PASSEAR E DAR AMOR AOS FILHOS?
Difícil, muito difícil. Seus recalques e frustrações foram passados todos para
os filhos podando todos os gostos que eles possuíam. Um gostava de jogar bola,
ela foi até o campo e entrou no meio dos jogadores bateu nele e ainda rasgou a
bola. O outro que ficava tomando conta da barraca quando não tinha movimento
ficava jogando dama com senhor Teodósio quando ela viu quebrou o tabuleiro e
ainda bateu no seu rosto desmoralizando-o no meio da rua. O outro gostava de
jogar bilhar, coitado estava dando a primeira tacada quando gritaram: lá vem
tua mãe. Com medo ele saiu pelos fundos só que era muito alto para ele pular,
mas em meio ao desespero não teve outra alternativa e o resultado foram não sei
quantos pontos no pé pois tinha um caco de vidro que abriu o pé do rapaz.
Quanta ignorância. Ela fazia tudo isso porque falava se deixasse iriam ficar
viciados em jogo de bilhar, jogo de dama, jogo de futebol, não sabia ela que
tudo aquilo era um esporte. Guardou muita mágoa, rancor dentro do coração e foi
acometida por uma doença infeliz que a matou. Muito nova não
conseguiu realizar nenhum sonho. Todos os dias ela media o janelão para colocar
um basculante que era moda naquela época, nunca conseguiu, a cerâmica que
queira tanto colocar o chão que era vermelho e cheio de buracos, o conjunto de
sofá nunca passou de uma cadeira de palhinha, o comportamento da filha que queria
educar, fina, igual a filha de fula de tal, não chegou a ver porque essa deu
um trabalho danado nasceu no lugar errado e no século errado, porque era uma
peste não tinha medo de nada e enfrentava sol e chuva, pintava e bordava, surra
não adiantava, e assim não conseguiu seu objetivo também. Hoje se estivesse
viva estaria com 56 anos. Acho que morreria de infarto, porque tudo é moderno.
Mesmo com todas desarmonias dentro da casa todos deram para gente, todos vivem
bem, são homens e mulheres bem-sucedidas na vida, nada que desabone sua moral e
sua índole. Parabéns para ela pelos seus ensinamentos mesmo carrasco
mais serviu de lição e tudo que seus filhos são hoje agradece a sua educação.
Mulher guerreira digna de toda homenagem que se pode ter, mesmo do seu jeito de
criar fez homens e mulheres dignas devido ao seu alicerce.
OBS: Essa é uma obra de ficção, qualquer semelhança será mera coincidência.
06/05/18