MORRE A PROFESSORA Mª DOS ANJOS 29/04/1975

            Mamãe estava dando um cochilo após o almoço e eu estava ao seu lado, era dia 21, quando de repente ela fez hum.

__ O que foi mamãe, perguntei:

__ Sabe quem esteve aqui agora? Respondeu ela

__Ninguém mamãe , falei.

__Teve sim, minha mãe veio me buscar e eu falei pra ela que queria vê a formatura de Fernando (meu irmão), mas ela falou que não, que eu teria que ir agora. Eu acho minha filha que vou morrer esse mês e por coincidência, hoje é o aniversário da morte de mamãe, inclusive quando ela morreu eu tinha dois anos de idade, contou-me mamãe.

            Deus é testemunha como não aumentei nem diminui nenhuma palavra nem tão pouco acrescentei.

__Que besteira mamãe, a senhora sonhou, falei.

__Não Inajá, eu vi, ela respondeu.

            Corri e fui contar a papai o fato.

__Besteira Inajá, tua mãe tá ficando doida ele falou.

__É verdade papai ela falou que viu a mãe dela, disse a ela.

            Daí mamãe sempre lendo a Bíblia e falava se ficasse boa a primeira coisa que iria fazer era se batizar na Igreja Batista. Papai não gostava muito de crente, mas nada podia fazer. Um dia coloquei Paulinho na cama e mamãe começou a rir.

__Estou feliz agora, olhe como Paulinho estar moreno ela disse.

Realmente Paulinho havia escurecido não sei como, porém estava tão moreno eu nem havia notado de tantos afazeres.

            Dia 25 mamãe me chamou.

__Inajá sabe com que eu sonhei esta noite?

__Com que mamãe eu perguntei.

__Eu vi uma mão enorme no céu, a mão estava aberta e eu fiquei olhando e aquela mão enorme parada, o que significa minha filha? ela perguntou.

__Mamãe esta mão diz que a senhora tenha calma, espere que vai acontecer alguma coisa.

            E mais uma vez corri para a barraca e contei a papai ele nem deu importância.

            Dia 27 mamãe acorda e fala:

__Inajá, hoje o sonho foi diferente. Vi um rosto do tamanho do céu. Um rosto lindo, de barba, cabelos compridos muito bonito, e agora minha filha?

__Não sei como lhe responder mamãe, a mão que a senhora viu era mandando à senhora esperar, ficar boa, ou então era o rosto que ia  aparecer.

Não quis falar nada a papai para não deixá-lo mais irritado. Nessa época Ilna já estava estudando em Rio Formoso em casa de Tio Mário irmão de mamãe e eu não tinha com quem conversar, o pai Joca ( avô) era surdo eu teria que gritar para poder ele escutar, fiquei calada.

            Dia 28 mamãe amanheceu boa. Levantou-se e me pediu para dar um banho nela. Achei muito estranho, dias atrás ela nem andava agora estava boazinha.

__mamãe. eu falei que aquela mão era para a senhora ficar boa!

__Que nada Inajá, hoje eu sonhei outra vez, talvez você pense que estou louca, mas chegou o dia , a mão que sonhei, sonhei com ela outra vez e desta vez ela me chamava.

            Lágrimas se formaram em meus olhos, porém pude conter os soluços dentro de mim para não chorar na frente de mamãe, sabia que iria perdê-la, mas pelo menos eu havia feito um dos gosto a ela, havia encontrado um rapaz o qual falou que iria casar comigo só que eu não gostava dele ,mas mamãe queria tanto me deixar amparada que topei, depois eu conto os detalhes para não misturar com a morte de mamãe que foi tão linda.

            Dei um banho em minha mãe, ela com vergonha do corpo porque estava nua na minha frente começou a brincar comigo. Almoçou bem, conversou muito e me explicou tudo como queria que eu fizesse depois que ela morresse, muito embora eu já estivesse passada de tanto vê mamãe morrer e tornar outra vez.

            Não sei falar com certeza, mas creio que ela teve umas cinco paradas cardíacas onde eu saía correndo para a maternidade gritando pelo meio da rua que mamãe estava morrendo. Iraci que era enfermeira e parteira na época acordava de madrugada de camisola colocava a roupa por cima e vinha socorrer mamãe, nunca fez cara feia nem se abusou, estava sempre pronta para servir a qualquer hora do dia ou da noite. Sim falei para papai o sonho de mamãe, daí ele falou: Está doida tu e tua mãe, isso é doidice nem quero saber disso, isso é besteira.

            Quando foi lá pelas cinco horas da tarde mamãe começou a me dar os detalhes do seu sepultamento.

__Olhe minha filha, eu vou morrer, sei que não passo desse mês, a minha mãe morreu dia 21de abril, fulano dia tal, cicrano dia tal etc. Bem, quando eu estiver dentro de caixão quero que você coloque um tule sobre o meu rosto para que não venha um, levante o pano e diga: ficou do mesmo jeitinho, aí cobre. Daí vem outro e fala: Não mudou nadinha, cobre. Vem outro e fala: parece uma santinha e assim por diante. Eu com um tule ninguém precisa mexer, até nisso mamãe era chata (uma expressão de falar, não queria ser aborrecida nem depois de morta).

            Fiquei escutando atentamente o que ela falava, me pediu a Bíblia e falou: Esta é a única coisa que tenho para lhe dar. Não se desespere.

(Desculpe tive que parar para chorar...estou revivendo tudo que se passou há 37 anos).Sei que você vai sofrer muito depois que eu morrer, ela sabia que ela era meu porto seguro, e falou na hora dos seus aperreios e desesperos entrasse no quarto pedisse inspiração a Deus e abrisse, e Deus iria lhe fortalecer e você não iria fraquejar.

__Mamãe parece que a senhora está se despedindo, eu não gosto quando a senhora fala desse jeito. A senhora não vai morrer, veja como a senhora amanheceu boa, respondi.

            Ela só fez sorrir. A noite já passava das dez horas quando mamãe piorou. Mais uma vez saí correndo atrás de Iraci. Nessa noite fui dormir mais de duas horas da manhã. Eu e papai. Mamãe cansada, eu abanava, abanava e ela sempre cansada, não tínhamos um ventilador, quanta pobreza meu Deus...quanto sofrimento... vi minha mãe passar. Ela teve câncer no pulmão. Não aguentava vê tudo aquilo e papai mandou que eu saísse e fosse dormir que ele passaria o resto da madrugada com ela. Ele passou a noite em claro

            Quando eu acordei era umas seis e trinta ou sete horas. Mamãe tinha dormido um pouquinho e papai ali do lado não tinha pregado o olho coitado, estava de olheiras, papai sofreu muito vendo mamãe daquele jeito. Lá pelas oitos hora mamãe acordou. Perguntei como ela estava. Ela respondeu que não passava daquele dia. Estou pior. Venha cá, cante um hino. Eu cantei em seguida ela me fez todas recomendações, (tenho que parar outra vez para chorar...)Chorei tudo que tinha de chorar. Ela estava bastante cansada mesmo assim cantou um hino e me pediu para terminar. Em seguida, fez uma prece linda a Deus, queria tanto ter um gravador para ter gravado tudo aquilo que confortou meu coração. Não sei meu Deus por que não sou de julgar ninguém mas Deus deve ter olhado para mamãe naquele momento e ter ouvido suas preces e colocou-a seu lado.

            Bem nesse momento ela piorou demais, engraçado se passaram 37 anos e eu recordo como se fosse hoje, Corri outra vez atrás de Iraci e trouxe também doutor Abelardo. Ele falou que mamãe estava respirando por uma parte bem estreitinha do pulmão e quando fechasse... Daí aplicou uma injeção e papai perguntou se dava tempo de ir ao sitio enquanto ela dormia.

__ Você pode ir à Recife a pé... Respondeu Dr. Abelardo. Papai não entendeu nem eu também, só sei que a porta foi fechada para que ninguém a incomodasse. Quando papai chegou do sítio falou:

__Sua mãe acordou?

__ Não papai, não fui lá para deixá-la dormir.

            Saiu papai para o quarto escutei a voz dele apavorado gritando: corre que tua mãe está morrendo, que nada papai , o senhor está brincando, respondi da cozinha.

__Corra, Inajá venha logo gritou ele.

            Quando entrei no quarto estava papai com ela nos braços e ela procurava me falar algo, porém sua voz não tinha mais. (paro mais uma vez para chorar).Fiquei olhando para ela tentando descobrir o que ela queria, tinha minha cabeça tonta, era tanta coisa, uma confusão total, mas daí me lembrei. Deus meu Deus, é a sua chapa (prótese). Corri e fui buscar. Quando coloquei as duas peças ela ajeitou direitinho deu um sorriso muito fraco, foi aí que surgiu uma lágrima e rolou pela sua face. Silêncio, silêncio total, depois o desespero, a agonia, a angústia, papai começou a falar:

Dos Anjos, você tá morrendo minha velha?  Trás álcool para passar na testa dela Inajá, e quando eu olhei o sangue sumindo de sua mão, já não tinha mais pulso, papai me mandou pegar mais álcool, mas ai não adiantava mais, foram tantas coisas que me esqueci de pedir a sua benção. Deitei mamãe na cama, o quarto fechado ela ainda com seus olhos abertos fechei-os porém ela abriu outra vez talvez eu tenha me precipitado e fechei antes da hora (de tanto ela me avisar que não queria ficar com os olhos abertos, nossa como mamãe era vaidosa, não queria ficar com a boca murcha os olhos abertos, era muita responsabilidade para mim fazer todos os seus gostos).Papai chorava sem consolo.

            Eu naquela hora me tornei dura, tentando consolá-lo dizendo que ela tinha descansado.

            Dia 29 de abril de 1975 numa terça-feira as 10h20min Deus o Todo Poderoso levou minha mãe para juntinho Dele e eu fiquei só com papai, Paulinho e Pai Joca.

Filhos que tem mãe e não a procura mata mesmo ela estando viva, um dia você irá saber o valor de uma mãe.

Não sei por que quis escrever a morte de minha mãe. Ela era meu porto seguro, sofri demais com a sua morte, fiquei órfã com 19 anos foi aí que começou meu sofrimento ai meu Deus como sobrevivi? A Mão de Deus na minha vida.

                      27/06/2012