LER E OUVIR HISTÓRIAS FORTALECE A MENTE E O CORAÇÃO

QUANDO FUI ENTREVISTADA POR MANOEL SOUTO ARRUDA

 IMORTAL COLÉGIO SANT' ANA. 

ENTREVISTA 

Inajá Nunes -  Ex-aluna.


01 - Foi através de um convite da freira que chegou ao Colégio? Foram tempos difíceis na nova escola?

  Papai era feirante, vendia cará e batata nas quartas e sábados durante a feira livre da cidade sendo um dos fundadores e entre seus fregueses estava a Irmã Constantina que fazia as compras para o Colégio, surgindo ali uma relação de amizade e respeito. Estudei  o primário no GRUPO ESCOLAR RAIMUNDO HONÓRIO onde fui muito feliz e guardo as melhores recordações. Ao  terminar a 5ª série me submeti ao Exame de Admissão do Colégio, uma espécie de vestibular à época, sendo aprovada de imediato iniciando ali o curso Ginasial e meu pai em comum acordo com a Irmã Constantina combinou a forma de pagamento das mensalidades . De caderneta em mãos, anotava tudo o que era vendido às religiosas e no final do ano ele fazia a prestação de contas e em contrapartida atualizava com o pagamento integral dos  meus estudos e caso ainda fosse possível,  deixava a matrícula em dia do ano seguinte. Tudo era muito difícil e por vezes me sentia excluída. Colégio elitista por um lado e aluna oriunda de família com poucos recursos de outro. Uma estada que durou quatro anos com muitas histórias e desafios.

02 -  É motivo de orgulho ter tido uma mãe costureira fina e exemplar? Muitas emoções durante o desfile cívico?

Mamãe era uma costureira mãos de fada, sua fama ia da cidade, região e até da capital pernambucana.  Suas clientes lhe procuravam para confeccionar seus belíssimos vestidos de noiva cujo modelo era escolhido através da Revista Figurino. Ela se esmerava e o resultado   era cliente satisfeita e feliz. Desejava ter uma farda que fosse tal qual a de Guiomar, saia plissada com um dedo de uma prega à outra. Mamãe costurava a minha com quase dois dedos que seria usada por vários anos e séries. Os tempos eram outros e as dificuldades também.
O desfile 7 de setembro era um momento muito feliz,  gostava de usar trajes no referido evento ocupando posição de destaque, mamãe ficava apreensiva, tratava-se de um gasto extra e com muito sacrifício e de tanto lhe implorar acabava realizando o meu desejo, embora que nunca tive a oportunidade de ser pelotão. Entretanto, estava vivendo aquele momento muito feliz.

03 - Havia empatia no respeito as religiões? Narre suas lembranças do Onomástico da Madre

Pai Joca era meu avô que optou por ser protestante e desejava que seus netos o seguisse. Mantinha o hábito de ler a Bíblia,  decorar versículos e nos ensinar com o bom exemplo .Um certo dia no Colégio, enquanto estávamos rezando o Pai Nosso falei que estava faltando o restante, " Porque teu é o reino, o poder e a Glória para todo sempre amém". A Irmã Verônica se posicionou contrária a minha ideologia com grosserias e palavras de ordem. Em seguida, falei que iria levar minha Bíblia para comprovar o que havia dito. Paguei um preço alto por isso. Meus pais estavam sempre sendo chamados para ouvir reclamações a meu respeito. Em outro momento, fui obrigada a me fazer presente na missa e um detalhe nem me confessei, nem fiz a Primeira Comunhão, minha curiosidade era descobrir o sabor da hóstia e ao receber trouxe para casa e comentei com uma amiga chegando aos ouvidos da religiosa que interpretou de várias formas meu ato, fui suspensa por três dias e quase expulsa.
Sempre me apresentava no Onomástico da Madre. Deveria ter sido atriz, amava  contracenar. Lembro de uma peça intitulada A Primavera, minha  personagem tinha uma vida muito difícil chamada Maria Helena e Linda, filha de Dr. Benon cantava, enquanto eu dançava espalhando pétalas de rosas no chão. A Madre se emocionava e muito.

04 -  Quais são suas lembranças das aulas de Educação Física? Descreva suas colegas de turma do curso Ginasial.

Amava as aulas de Educação Física. Havia saudáveis competições entre as colegas, sempre me esforçava para ser destaque. A farda era uma blusa branca de malha com o escudo do Colégio  e short azul apertado e curto, o meu era um pouco folgado e acima do joelho, mamãe costurava aos moldes dela.
No início do curso Ginasial, fizemos uma turminha composta por  Betinha, Mª José Guerra, Neném, Irlaneide e eu. Éramos inseparáveis...Ainda lembro da inesquecível  Maria Isabel Travassos que era bem franzina, morava em Umbuzeiro- PB, um doce de pessoa que sentava ao meu lado, complementando  temos Iraci, Lalá, Lourdinha que era um doce de pessoa, por sinal muito meiga, Adelma, Severina, Ana Gomes, Aparecida, Alde, Margarida, Mariquinha, Neide, Neves, Eurides, Ana Aleixo. Lúcia Germana e  Maria Aguiar, ambas de outra cidade e as internas Guiomar e Irailde. Já se passaram 50 anos. Todas moram no meu coração.

05 - Cite uma disciplina e professora inesquecível . Um momento feliz no Colégio?

Duas professoras tornaram- se  inesquecíveis no Colégio. Dona Salete,  sabia quando eu estava com problemas e me deixava bem a vontade fazendo minhas estrelinhas no caderno. Não tenho notícias da mesma e Dona Marly,  só em eu olhar parece que lia meus pensamentos. Partiu cedo, fiquei muito triste e  chorei muito. O Professor Rubens era também excelente. A disciplina que mais gostava era Artes e para realizar as atividades utilizava o material de Neném. Quando a referida colega apresentava sua atividade feita por mim era só elogios da freira e quando o fato foi descoberto, a religiosa disse tudo ao contrário e ainda a proibiu de me emprestar o material. Havia um muro entre eu e a freira que dificultava meu progresso.  

06 - Cursou datilografia no Colégio? Conhecer a clausura era um desejo das alunas?.

Não fui aluna do curso de Datilografia do Colégio e praticamente não visitava a  Biblioteca. Alimentava o desejo de desvendar o segredo da Clausura. Por que não podíamos entrar? Qual mistério por trás daquela porta? Certa vez a Irmã Verônica me flagrou no momento em que estava colocando a mão no trinco para entrar e tentou me prender no quarto escuro, dei uma carreira tão grande que meus livros ficaram lá e mais uma vez uma série de reclamações. Creio que muitas ex- alunas alimentavam o mesmo desejo.

07 - Havia nota no boletim das alunas em  comportamento ? Analise sua professora de Português.

O comportamento regido pelos padrões da época era exigido ao pé da letra, do contrário teria sérias consequências, no meu caso ao chegar em casa apanhava de corda fina e ainda com nó. Era um tempo de muito tradicionalismo, reflexo da ditadura sem liberdade até para sorrir.  Mamãe foi um exemplo, nos amou no sentido mais completo da palavra e nos acompanhava em tudo, das notas ao resultado final, aprovadas por média era sua meta, recuperação não aceitaria, alegava que era nossa única atividade e reprovação seria um pesadelo e como resposta uma boa surra. Fui uma jovem rebelde com visão a frente do meu tempo.
A Madre Superiora era a professora de Português, sua presença imperava medo e  respeito. A poesia de Olavo Bilac até hoje sei declamar, garanti um dez durante sua aula.  Lembro de uma colega de sala que ao ser chamada ao quadro ficava tão pálida dando a impressão que iria desmaiar e as mãos molhadas de suor. 

08 - Qual a sensação ao ser informada da extinção do Colégio? Há respeito aos patrimônios da cidade?

Quanto a extinção do Colégio achei uma barbaridade. Um ponto histórico onde o prédio deveria ser tombado e nele fazer um Museu. Aproveito para expressar meu repúdio com relação a destruição do Pirulito do Padre, da Pracinha que ficava em frente a Maternidade, do Coreto que ficava depois da ponte , brinquei muito ali. A história municipal fica cada vez mais pobre.

09 - Liste as proibições inerentes ao regimento escolar? Participava das festas juninas com entusiasmo?
 
Assistir aula com o fardamento incompleto, saia curta de forma alguma, entre tantas regras que por vezes burlava e pagava as consequências. Era terminantemente proibida pela minha mãe de participar das festas juninas. Achava bonito aquela tradição. 

10 - Quais eram as internas de sua época? Analise Inajá por Inajá.

Guiomar e as irmãs Krause são minhas referências quando o assunto é internas,  andava bem ligeirinho porque era um salto do internato para a escola. 
Tive que ser forte, foram muitas tempestades e pouco apoio para superá- las. Sou de uma geração que era regrada por padrões sociais a risca e o empoderamento feminino tão falado nos dias atuais ontem tinha uma representatividade, a entrevistada. Deus me blindou e me ilumina dando forças para um sempre recomeço." Ele" é poderoso. Sou graduada em  Letras e  Pós Graduanda em Supervisão e Orientação Educacional. Publiquei um livro de poesias e mantenho um blog onde conto pedacinhos de minha infância,  toda minha trajetória em forma de contos e poesias.
Me orgulho de ser o que sou entre erros e acertos. Sou feliz por ter conquistado minha  independência. O importante é ter JESUS no coração. Me vejo inserida na história da Fênix, a ave mitológica norte- americana. Grato Manoel pela oportunidade.


OBS: Essa não é uma obra de ficção. Quero agradecer  MANOEL SOUTO ARRUDA por ter me dado essa oportunidade de expressar meus sentimentos e aos 45 anos afastada de meu Torrão Natal ainda tive o reconhecimento e a satisfação de ser lembrada por algumas amigas que deixei, amigas ímpares. Manoel toda minha gratidão a você, foi por sua causa que afastei vários fantasmas do meu passado. Hoje estou feliz. Se eu escapar dessa Pandemia Maldita a minha primeira viajem será a Bom-Jardim porque faz mais de um  ano que não sei o que sair de casa. Estou sobrevivendo esperando essa chuva passar para retornar o meu cotidiano.

                                     João Pessoa, 06/06/2021

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